O Conselho Nacional de Saúde (CNS) realizou, nesta segunda (30/08), seminário online para discutir perspectivas e desafios para acesso a medicamentos a populações negligenciadas. As reflexões dos participantes devem contribuir para a elaboração de um documento que subsidie o plenário do CNS sobre a temática.
Com a participação de conselheiros de saúde e integrantes de comissões temáticas que tratam do assunto, as discussões se basearam em cinco eixos, sendo: pesquisa clínica, registro e incorporação de tecnologias, financiamento, qualificação do acesso e produção de medicamentos.
As doenças negligenciadas incidem sobre pequenas parcelas populacionais e em determinados territórios, geralmente atingindo populações mais pobres, excluídas e sem poder aquisitivo. Conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), este grupo diverso de doenças prevalece em 149 países tropicais e subtropicais, afetando mais de 1 bilhão de pessoas no mundo.
A classificação da OMS atualmente inclui vinte doenças tropicais negligenciadas, sendo prevalentes no Brasil a hanseníase, doença de Chagas, esquistossomose, leishmaniose, hepatites e filariose linfática.
O pesquisador Francisco Viegas, da Drugs for Neglected Diseases Initiative (DNDI), organização fundada pela Médico sem Fronteiras e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para pesquisar medicamentos para doenças negligenciadas, destaca como barreira alguns gargalos da própria legislação brasileira para o financiamento de pesquisas.
“A regulação nacional proíbe o financiamento em pesquisas que acontecem em outros países e já nos encontramos em situações em que a população negligenciada está concentrada em outras localidades, por isso não conseguimos financiamento para pesquisas importantes que trariam resultado para a ciência”, afirma Francisco. “Também há pouco financiamento de pesquisa em fase inicial e na fase clínica. É urgente que isso seja uma política priorizada”, completa.
“É um investimento público estratégico que pode influenciar a transferência de tecnologia e a produção de medicamentos, que podem resolver essas demandas históricas que nunca foram resolvidas. Lembrando que isto gera para o SUS altos custos e o agravamento da saúde de usuários que foram negligenciados”, completa o conselheiro nacional de saúde Moysés Toniolo, que coordena a Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde de Pessoas com Patologias do CNS.
Desfinanciamento
Para a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fabiola Sulpino, apesar dos diversos avanços na assistência farmacêutica nas últimas décadas, entre eles a construção do Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF) e políticas envolvendo o complexo industrial, a maior dificuldade para se garantir medicamentos, considerando as necessidades de toda a população, está no desfinanciamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Para ela, a discussão da incorporação de tecnologias não pode estar dissociada da discussão sobre execução orçamentária.
“A política de assistência farmacêutica foi perdendo prioridade ao longo dos anos e a principal barreira envolve financiamento, decorrente da falta de prioridade para que o SUS realmente se consolide e se efetive. Para termos pesquisa que realmente interesse às necessidades da população, é preciso locação de recursos”, avalia Fabíola, ao destacar a Emenda Constitucional 95/2016, que congelou investimentos até o ano 2032.
O professor do Departamento de Farmácia da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Rafael Santana, completa ao destacar que, diante de um cenário de desestímulo e desfinanciamento da pesquisa, é preciso construir uma agenda específica de prioridades.
“É importante que o CNS se debruce sobre isso e tente trazer uma nova agenda de prioridades de pesquisa. Se a gente não tem recurso suficiente para pesquisar tudo sobre hanseníase, por exemplo, é melhor definir o que é mais importante: melhoria no tratamento ou diagnóstico, por exemplo?”, sugere Rafael ao sugerir a criação de um grupo técnico para contribuir com esta construção.
Os participantes do seminário também apontaram como desafios para enfrentar o problema a revisão de preços para medicamentos produzidos por laboratórios públicos e para doenças negligenciadas. Eles também sugerem a criação de normas ou registros específicos para “medicamentos órfãos”, termo utilizado para medicamentos de alto custo destinados ao tratamento de doenças raras.
“Este seminário nos traz o ‘esperançar’ por dias melhores. A assistência farmacêutica é um direito de todo cidadão e cidadã brasileira. Infelizmente, sabemos que a indústria farmacêutica pouco se interessa pelo atendimento à essas populações, mas com muita competência e sabedoria vamos construir de forma coletiva alternativas para afirmar nossos direitos conquistados ao longo das últimas décadas”, afirma a coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do CNS, Débora Melecchi.
Saiba mais
A iniciativa é das Comissões Intersetoriais de Atenção à Saúde das Pessoas Com Patologias (Ciaspp) e de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf), do CNS, que estão desenvolvendo Seminários Integrados que tratam de temas de interesse da Assistência Farmacêutica.
Ascom CNS
Foto: Amanda Perobelli / Reuters