Nota pública
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) estrutura do estado brasileiro, que a partir de 1990 ganhou forma e conteúdo para ser instrumento deliberativo de formulação e fiscalização da mudança de modelo de atenção à saúde contratado na Constituição de 1988, inclusive seus aspectos orçamentários e financeiros, vem a público informar que vai analisar e deliberar sobre portaria aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) com mudanças nas modalidades de transferência de recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para estados, Distrito Federal e municípios.
O Conselho se debruçará sobre a matéria para verificar se ela está em conformidade com o artigo 17 da Lei Complementar 141/2012. Segundo o artigo, a transferência dos recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) deve observar as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde. Segundo esse mesmo artigo 17, também devem ser observados os dispositivos do artigo 35 da Lei 8080/1990 (Lei Orgânica do SUS) e do artigo 3 da Constituição Federal.
A portaria em questão definiu que as transferências dos recursos federais deverão ser feitas nas modalidades custeio e investimento. Essas modalidades foram criadas para substituir os blocos de financiamento da Portaria 204 do Ministério da Saúde, que são média e alta complexidade, atenção básica, assistência farmacêutica, vigilância em saúde, gestão e investimento.
O CNS reconhece a defesa histórica da maioria dos defensores do “caixa único” para o SUS, cujo primeiro passo concreto foi a portaria 204 do Ministério da Saúde. Porém, a Portaria 204 ainda continha muitas vinculações que dificultavam a aplicação dos recursos federais transferidos fundo a fundo conforme a ótica do atendimento às necessidades de saúde da população.
Assim sendo, a continuidade do processo de desburocratização com a revisão desses blocos de financiamento vinha sendo defendida por muitos especialistas e gestores, inclusive por meio de uma comissão formada logo após a promulgação da Lei Complementar 141/2012 e coordenada pelo Ministério da Saúde, cujo trabalho ainda não foi concluído.
O Conselho Nacional de Saúde entende que, embora a nova portaria da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) possibilite a desburocratização da utilização dos recursos SUS e atenda a uma reivindicação antiga de muitos especialistas e gestores, isso não é suficiente para sua imediata entrada em vigor.
Uma análise minuciosa da matéria se faz necessária, principalmente se forem considerados o atual processo de financiamento do SUS, que privilegia recursos para a média e alta complexidade em detrimento da atenção básica, e o contexto atual do financiamento das políticas sociais, em particular da seguridade social e do SUS, à luz do desmonte da garantia dos direitos de cidadania que está em curso nos últimos meses no Brasil, especialmente após a vigência da Emenda Constitucional 95, promulgada em dezembro de 2016.
Sobre as diretrizes da Emenda Constitucional 95, é importante lembrar que de 2018 a 2036, o valor da aplicação mínima de 2017 em ações e serviços públicos de saúde na esfera federal será corrigido tão somente pela variação anual do IPCA/IBGE, desconsiderando completamente as necessidades de saúde da população, em flagrante desrespeito à Constituição Federal, à Lei 8080/90, à Lei 8142/90 e à Lei Complementar 141/2012.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), enquanto instância legal máxima do Sistema Único de Saúde (SUS), com representação dos usuários, trabalhadores e gestores do SUS, continuará a exercer seu papel protagonista, propositivo e deliberativo, de modo a aprofundar a reflexão em torno do importante tema que é o financiamento do SUS.
O primeiro espaço para a reflexão sobre a portaria da CIT será na próxima reunião da Comissão de Orçamento e Financiamento (COFIN) do CNS, que será realizada em Brasília na próxima sexta-feira, dia 03 de fevereiro, da qual resultará encaminhamentos para a mesa diretora do CNS avaliar e definir a entrada do tema para o debate e deliberação dos conselheiros nacionais de saúde em reunião ordinária, nos termos do artigo 17 da Lei Complementar 141/2012. É compromisso do CNS não permitir nenhum retrocesso nas politicas que concretizaram importantes mudanças no modelo de atenção à saúde no Brasil, tais como Atenção Básica, Assistência Farmacêutica e Vigilância em Saúde.
Brasília, 30 de janeiro de 2017.
Ronald Ferreira dos Santos
Presidente do Conselho Nacional de Saúde