Segundo o livro Holocausto Brasileiro, lançado em 2013 pela jornalista Daniela Arbex, o descaso que acompanhava a política de internação compulsória para pacientes com transtornos mentais em manicômios resultou na morte de cerca de 60 mil pessoas, expostas ao frio, à fome e à tortura.
No Museu da Loucura estão expostos os aparelhos de eletrochoque usados historicamente e os instrumentais para realização da lobotomia – uma técnica de intervenção psicocirúrgica feita no cérebro, que consiste na retirada total ou parcial dos lóbulos cerebrais. No Museu, também há registros fotográficos diversos dos descasos a que os pacientes eram expostos.
Em o Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex conta que os pacientes chegavam ao manicômio de trem – origem da expressão mineira “trem de doido”. Já eram desumanizados na entrada: passavam por banhos de desinfecção, tinham os cabelos raspados e eram obrigados a usar uniformes – a exemplo dos judeus confinados nos campos de concentração.
Ainda conforme o livro, o Hospital Colônia de Barbacena, projetado para 200 pacientes, chegou a abrigar, em 1960, ao mesmo tempo, mais de 5 mil pessoas. No geral, apenas 30% delas possuíam diagnóstico médico de problema mental. Na esteira da cultura higienista que assolava o Brasil, homossexuais, militantes políticos e mulheres que perdiam a virgindade antes do casamento eram enviados para lá.
Os números das vítimas não são consensuais entre historiadores que investigam a saga do hospital inaugurado em 1903, que funcionou como manicômio até o início da década de 1980. O que ninguém discute é que o que aconteceu ali não pode jamais voltar a ocorrer. E, por isso, o Museu da Loucura foi erguido como um emblema da luta antimanicomial que eclodiu no país na década de 1980 e resultou na reforma psiquiátrica, oficializada em 2001.
A partir da reforma, os manicômios passaram a ser encarados como última opção de tratamento e ganhou vez a política de não internação, com a adoção das casas terapêuticas. Barbacena, inclusive, mudou completamente a política de tratamento das pessoas com problemas mentais. Desde então, a cidade mantém 28 residências terapêuticas, nas quais antigos internos do hospital, abandonados pelas famílias, retomam o convívio em sociedade, de forma humanizada, sob a orientação de equipes multidisciplinares.
Riscos do modelo manicomial na atualidade
Conselheiros nacionais de saúde aprovaram no dia 30 de janeiro uma recomendação para revogar a Portaria nº 3.588, publicada em 21 de dezembro de 2017, que alterou as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM). As mudanças foram pactuadas na Comissão Intergestora Tripartite (CIT) – composta por gestores de saúde da União, estados e municípios – sem consulta à sociedade civil e ao CNS.
Para os movimentos da Luta Antimanicomial, além de retrocessos, a mudança traz a desestruturação da lógica organizativa da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Eles acreditam que a mudança beneficia as empresas de saúde e comunidades terapêuticas em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
A recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi apresentada pela Comissão Intersetorial de Saúde Mental (Cism), durante a 301ª Reunião Ordinária do colegiado. Os conselheiros solicitam ainda a publicação de portaria em substituição, que esteja de acordo com os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e da Lei nº 10.216/2001. A lei prioriza os serviços comunitários e extra-hospitalares, devendo a internação psiquiátrica ser realizada somente como último recurso assistencial.
Fotos: Lucas Di Capri e Mike Tavares
Ascom CNS