Apesar de serem 23,9% da população brasileira de acordo com o último Censo, as pessoas com deficiência não têm seu direito à saúde efetivado. Atualmente, não há obrigatoriedade de registro da deficiência nos cadastros do Sistema Único de Saúde (SUS) nem um modelo único de avaliação biopsicossocial da deficiência regulamentado. “Assim, quando há notificação da deficiência, ocorre de forma equivocada e limitada, sem levar em conta a pessoa de forma integral, reforçando a compreensão capacitista da deficiência”, ressalta Vitoria Bernardes, mulher com deficiência e conselheira nacional de saúde representando a Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME). Devido a violações de direitos e a outros fatores que inviabilizam o acesso das pessoas com deficiência à saúde, um evento inédito será realizado no próximo dia 29 de abril de 2023: a primeira Conferência Livre Nacional sobre a saúde da pessoa com deficiência. Etapa preparatória da 17ª Conferência Nacional de Saúde, a ser realizada de 2 a 5 de julho, em Brasília, o evento terá como tema Amanhã vai ser outro dia – SUS e o compromisso ético com a saúde das pessoas com deficiência e será realizado na Asfoc, no campus de Manguinhos da Fiocruz, de 9h às 17h. O espaço é acessível, haverá audiodescrição e interpretação em Libras. O público-alvo são usuários do SUS, trabalhadores e gestores de saúde e movimentos da sociedade civil organizada. Os interessados que não puderem comparecer poderão participar remotamente através da plataforma Zoom.
A conferência foi proposta inicialmente por Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), Associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), Associação dos Servidores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc) e Acolhe – Direitos, Acessibilidade e Saúde (Acolhe-PcD). O reconhecimento da importância do tema já fez outras 30 associações e instituições de todo o Brasil se unirem à iniciativa. Além das instituições proponentes, a convocação conta ainda com o apoio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; da Diretoria da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil – Rio de Janeiro; e do Fundo das Populações das Nações Unidas (UNFPA). Até a data desta publicação original (13/4), há 512 inscritos, de todos os estados e do Distrito Federal, o que demonstra a diversidade regional da conferência.
Para quem quiser participar das discussões, o documento base da Conferência Livre Nacional disponibiliza informações necessárias para a compreensão do cenário de injustiças e desigualdades enfrentado pela pessoa com deficiência no Brasil, bem como um resumo das menções ao tema nas oito últimas Conferências Nacionais de Saúde, o que mostra de que maneira o assunto vem sendo tratado nesse espaço de diálogo e construção política. Pesquisadora da Ensp/Fiocruz e uma das líderes da organização da CLN, Laís Costa avalia que as temáticas foram se repetindo por não terem sido jamais efetivadas. “As barreiras à participação das pessoas com deficiência nas Conferências Nacionais de Saúde são evidentes. Não temos tido sucesso em garantir a participação dessas pessoas, ao menos não das pessoas com todas as deficiências. Esse grupo heterogêneo de pessoas segue invisibilizado tanto nas políticas e ações universais quanto na produção de protocolos clínicos que considerem suas especificidades. E os protocolos existentes não se disseminam, pois as pessoas com deficiência seguem desumanizadas nos serviços de saúde: a gente continua com um olhar focado no que a pessoa não tem, como se toda a existência dessas pessoas tivesse limitada a uma lesão, a algo que falta, destituindo-lhes de suas subjetividades”, afirma a pesquisadora.
O diretor da Ensp/Fiocruz, Marco Menezes, destacou que a pauta é prioritária na Ensp e na Fiocruz. “A valorização da diversidade é uma marca da direção da Ensp e um compromisso da Escola”, disse. A presidente da Asfoc, que vai sediar a CLN, também celebrou o evento. “É um momento histórico, porque, pela primeira vez na história do Sistema Único de Saúde e do país, será realizada uma conferência livre de saúde nacional para discutir a saúde da pessoa com deficiência”, afirmou Mychelle Alves.
Os proponentes da CLN sobre a saúde da pessoa com deficiência já estão recebendo sugestões de diretrizes e ações antes mesmo do encontro do dia 29 de abril. De acordo com o regulamento da 17ª Conferência Nacional de Saúde, a Conferência Livre possibilita a proposição de uma diretriz para cada um dos quatro eixos temáticos indicados: ‘O Brasil que temos e o que queremos’, ‘O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas’, ‘Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia’ e ‘Amanhã vai ser outro dia para todas as pessoas’, além de até cinco propostas para cada uma delas. Como um convite para a apresentação de propostas e também um meio de divulgar a sistematização das propostas até agora consolidadas, foi preparado um formulário, que já está disponível aqui. “As propostas que já estão sendo formuladas derivam de um acúmulo de luta, de quem já estava antes de nós tentando garantir o espaço da pauta dentro das conferências nacionais de saúde”, afirma a pesquisadora Laís Costa. A consolidação final das propostas apresentadas será discutida durante a Conferência Livre e as aprovadas se integrarão ao relatório final da Conferência Nacional de Saúde.
Da CLN sairá uma delegação eleita pelos participantes para representá-los na 17ª Conferência Nacional de Saúde, além da lista de ações aprovadas na conferência livre e um resumo executivo do evento que destacará um pouco das especificidades das diversidades, com indicações do que precisa caber nesta pauta.