A Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), enviou um ofício à Procuradoria Geral da República para que investigue a morte de 200 pessoas que participaram de estudo conduzido com a proxalutamida no Amazonas. O ensaio clínico foi realizado sob a liderança do endocrinologista Flávio Cadegiani e patrocinado pela rede de hospitais privada Samel.
Segundo relatório da Conep encaminhado ao Ministério Público, aprovado por unanimidade na reunião plenária da comissão e pela mesa diretora do CNS, no estudo houve alto índice de Eventos Adversos Graves (EAG), grau 5, com desfecho de óbitos, evidenciados em extensa lista de eventos apresentada a Conep.
A comissão do CNS é responsável por fiscalizar as pesquisas clínicas no Brasil, apurar responsabilidades, proibir ou interromper pesquisas definitivas ou temporárias. Neste caso, a Conep destaca uma série de irregularidades e conclui que os responsáveis pela pesquisa desrespeitaram quase todo o protocolo, aprovado em 27 de janeiro.
A Conep deu parecer favorável para que a pesquisa fosse realizada com 294 voluntários, em Brasília. No entanto, Flávio Cadegiani começou a aplicá-lo sem autorização no Amazonas, em fevereiro, e depois pediu para estender a pesquisa a Manaus, Parintins, Itacoatiara, Coari, Manacaparu, Maués e Manicoré.
Além disso, o pesquisador ampliou o número de voluntários para 588 e, ao final, entregou um parecer com resultados de 645 pessoas. Também entregou atas de apenas três dos nove centros de referência do Amazonas para os quais havia pedido autorização.
O perfil dos voluntários mortos também era totalmente incompatível com o perfil clínico de pacientes registrado na Conep. Ao submeter o ensaio à comissão, o pesquisador afirmou que a proxalutamida seria administrada em pacientes leves e moderados, mas os resultados mostravam que os óbitos foram atribuídos a insuficiência renal ou hepática, características de pacientes muito graves.
Inicialmente, o pesquisador reportou a ocorrência de 170 óbitos, posteriormente reportou-se como dado correto a ocorrência de 178 mortes e, em uma terceira versão, reportou-se que houve 200 mortes ocorridas durante a condução do estudo.
“Tem duas hipóteses básicas, digamos que estejam falando seja verdade e que a substância tem um efeito espetacular para combater a Covid, eles cometeram erro gravíssimo porque teriam que ter interrompido a pesquisa após as mortes dos participantes. A outra hipótese é que o resultado é inteiramente fraudado. Eles submeterem 200 pessoas a morrerem em pesquisa que não tem valor científico nenhum. É um completo absurdo”, afirma o coordenador da Conep, Jorge Venâncio.
A Conep também identificou problemas na formação do comitê independente, exigência da própria Conep para a realização de ensaios clínicos. A função desse comitê é supervisionar as condições éticas e de segurança na pesquisa.
“Toda pesquisa tem que ter um comitê formado por técnicos que não tenham relação com a instituição e nem com o patrocinador da pesquisa, pessoas de fora, para a própria segurança dos participantes. Neste caso, além de não informarem a composição completa do comitê, ele é coordenado por uma pessoa da patrocinadora”, completa Venâncio.
A pesquisa foi suspensa pela Conep no final de maio, porém mesmo depois da suspensão os pesquisadores enviaram à comissão um pedido para registrar outros centros de pesquisa, desta vez em Santa Catarina. “Eles não estão respeitando nada”, afirma o coordenador da Conep, Jorge Venâncio.
Além do estudo irregular no Amazonas, o mesmo grupo realizou um ensaio clandestino com o remédio em um hospital militar de Porto Alegre, conforme consta em nota pública do CNS.
Ascom CNS, com informações de O Globo
Foto: Kendal/Unsplash