10ª Conferência Estadual de Saúde do estado elegeu 124 delegados para defesa de 20 propostas na etapa nacional
O som, o ritmo e as cores do Maracatu, manifestação cultural popular criada por pessoas escravizadas no século XVIII em Pernambuco, envolveu e animou gestores, usuários e trabalhadores do SUS que estiveram presentes na 10ª Conferência Estadual de Saúde do estado, realizada em Olinda entre 30 de maio a 2 de junho.
Não por acaso, a tradição escolhida para abrir os trabalhos da Conferência apontava que não é só no setor cultural que pernambucanos e pernambucanas valorizam sua ancestralidade. No campo da saúde, os quatro dias de reuniões e debates evidenciaram que quilombolas, indígenas, parteiras e sertanejos, por exemplo, teriam voz também na construção de políticas públicas.
O estado das lutas libertárias, como celebra a conselheira nacional de saúde e representante da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas em educação Popular em saúde (Aneps-PE), Marta Almeida, trouxe a diversidade regional do Pernambuco, resgatando parteiras, benzedeiras e até mesmo as ervas tradicionais junto às discussões de atenção primária e atenção especializada à saúde, propostas na programação do evento.
“Quilombos, terreiros de candomblé, periferia, campo e sertão, mulheres, pessoas com deficiência, pessoas lgbts, todos, todas e todes estiveram aqui e foram ouvidos, reafirmando a importância do Sistema Único de Saúde e do estado democrático de direito. Resgatando nossas parteiras e benzedeiras, nossos chás e ervas sagradas trouxemos este olhar para dentro do SUS”, revelou a conselheira
Ao explicar o futuro e os desafios para o SUS pernambucano, Marta evidencia outra referência para os povos de terreiro. “Trazemos Sankofa, ave simbólica africana representada pela figura de um pássaro que alça voo à frente com sua cabeça voltada para trás, traduzindo que é preciso olhar para o passado quando se quer adquirir conhecimento e sabedoria para avançar no futuro, para percebemos qual SUS queremos e para onde apontamos”.
A conselheira acredita que o país vive um momento de redemocratização e que para alcançar uma saúde plural, assegurando o princípio de equidade, o atendimento humanizado e políticas diferentes para os diferentes é preciso olhar para o nosso povo, nossa tradição e nossa história.
Confira o vídeo de cobertura:
Pernambuco terra indígena
Dados preliminares do Censo 2022 e publicados até o momento pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Brasil tem 1.652.876 indígenas, representando 0,8% da população total. Informações do site do Distrito Sanitário Especial Indígena do Pernambuco (DSEI) indicam que há no estado 12 territórios, sendo o de maior população dos Xukurú, com cerca de 12 mil indígenas. Os Xukurú vivem na região do município de Pesqueira, a 200 km da capital Recife. Pernambuco é também o estado do Nordeste com a maior proporção de povos indígenas na população (0,6%), nono colocado no quadro geral dos estados.
Silvinha Xukurú, representante indígena convidada para a palestra que abriu o evento, acredita que o modelo de gestão do SUS é democrático, participativo e pode garantir uma forma horizontal de acesso à saúde. “Eu acredito que o amanhã já é hoje, e é preciso ouvir as vozes, especialmente dos usuários do SUS, para que Pernambuco leve para a etapa nacional a defesa de toda a diversidade de nossos territórios”, declarou.
Na convergência de ideias entre Silvinha, mulher semente (como ela mesmo se intitula) e Marta, mulher negra de candomblé, há a territorialidade. Ambas acreditam que é responsabilidade de delegados e delegadas que vão para Brasília compreender que não há como discutir saúde sem discutir território, especialmente considerando a importância do território para a Atenção Primária à Saúde.
“É preciso partir da premissa que a saúde indígena se inicia na atenção primária e é no SUS que o usuário indígena vai realizar exames laboratoriais ou de imagem e é também no SUS que ele vai ficar internado”, pondera a líder indígena, que demonstra preocupação com a retirada do território indígena por meio do Marco Temporal, desastrosamente aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados.
“A população precisa se mobilizar para entender como os direitos estão chegando. Tirar o território indígena afeta a saúde de todos, pois o território preservado repercute na saúde de todos que ali vivem”, afirmou.
Neste mesmo sentido, as conferências estaduais possuem também uma perspectiva de formação, inclusive para formação política, pois é importante compreender o lugar de construção coletiva em política e o peso que isso possui. A falta de autonomia e de processos de trabalho, a necessidade da regionalização de saúde, com funcionamento real das macrorregionais garantindo a descentralização nos processos de saúde, somado ao fortalecimento dos processos de educação em saúde também foram pontos bem discutidos entre os participantes do pleno.
Coordenadora da 10ª Conferência Estadual de Saúde, Lidiane Gonzaga ressalta que sucesso do evento foi justamente abrir espaço para a participação efetiva das pessoas. Ao todo, 180 municípios pernambucanos fizeram conferências locais, movimentando cerca de 15 mil pessoas e totalizando mais de 1400 propostas. Para Brasília, a delegação levará 20 propostas e 124 delegados.
Lidiane acredita que o envolvimento da sociedade civil e a tradução das necessidades da população dentro desse espaço do controle social faz com que exista um planejamento que de fato atenda e aprimore a cobertura assistencial de acordo com as reais necessidades da população. Pernambuco leva como missão para a 17ª Conferência Nacional de Saúde que o controle social defenda seus diversos territórios, de forma participativa e paritária, mantendo a característica de luta e resistência do SUS.
Ascom CNS