Após reiterados ataques à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) acerca do papel da comissão e da validade das normas de ética em pesquisa no país, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) vem a público se manifestar e elucidar os fatos tais quais oficialmente documentados:
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Conforme divulgado na mídia, Dr. Flávio Adsuara Cadegiani é o responsável pela pesquisa “Proxalutamida para pacientes hospitalizados por COVID-19. The Proxa-Rescue AndroCoV trial” que se propôs avaliar a eficácia e segurança da proxalutamida no combate à COVID-19. O protocolo de pesquisa foi aprovado pela Conep em 27/01/2021 após adequações do termo de consentimento e de outras partes do protocolo, estando registrado na Plataforma Brasil sob o número CAAE 41909121.0.0000.5553.
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Assim como esse, outros protocolos com a mesma substância (ou similares anti-androgênicos) também foram avaliados pela Conep e aprovados considerando-se a fundamentação teórica e a adequação às exigências éticas na condução de ensaios clínicos no país. Portanto, é equivocada a interpretação que a pesquisa foi interrompida por perseguição política ou por interesses escusos. Faz-se necessário reafirmar que a pesquisa foi interrompida por descumprimento das normas, e não por motivação política. Tanto é que outros estudos com o mesmo medicamento continuaram o curso por atenderem as normas de ética em pesquisa no país.
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A despeito da autorização do estudo inicial ter sido fornecida para uma única instituição em Brasília, o pesquisador alega que a autorização abrangia todo o território nacional. O parecer consubstanciado emitido pela Conep com a autorização do estudo é explícito em relação aos locais para a execução do estudo e, em nenhum trecho, houve autorização ampla de execução da pesquisa em todo o território nacional. E nem poderia, porque cada centro deve ter um Comitê de Ética em Pesquisa que toma conhecimento e autoriza a realização da pesquisa na instituição a qual está vinculado. Ao que consta, isso não aconteceu em nenhum dos locais onde a pesquisa foi conduzida.
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A comunidade de pesquisadores de todo o país sabe que qualquer modificação do protocolo de pesquisa exige nova autorização do Sistema CEP/Conep, sendo isso fato notório e conhecido por qualquer aluno de pós-graduação e pesquisador com sólida formação. Diga-se, inclusive, que esta norma não é mera “burocracia” do nosso país, mas uma diretriz internacionalmente adotada por pesquisadores do mundo todo. A solicitação de modificação do protocolo (emenda) com o pedido de inclusão de centros de pesquisa e o aumento do número de participantes só ocorreu quando o estudo já estava concluído. Portanto, é fato que o pesquisador implantou as modificações no protocolo sem a devida autorização da Conep, realizando a pesquisa em centros não autorizados na região norte e sul do país, além de incluir número de participantes muito superior ao que foi originalmente aprovado. O histórico de modificações na Plataforma Brasil (sistema onde os protocolos são submetidos para análise ética) comprova a sequência das tramitações na Conep e o pedido extemporâneo da emenda ao protocolo. Ressalte-se que isso não representa burocracia imposta pelo Conselho Nacional de Saúde, mas o alinhamento com as diretrizes adotadas internacionalmente para evitar a recorrência das atrocidades observadas em pesquisas desenvolvidas no passado em que os fins justificaram os meios e desrespeitaram o ser humano em sua dignidade.
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Sobre as mortes que ocorreram no estudo e destacadas em recente manifesto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o pesquisador afirma que a maioria ocorreu no grupo placebo e, portanto, sem vínculo com a proxalutamida. Trata-se de conclusão que não poderia ser antecipada durante a execução da pesquisa, porque o estudo tinha caráter cego, ou seja, o medicamento fornecido aos participantes (proxalutamida ou placebo) era desconhecido do pesquisador. Do ponto de vista ético, ao se verificar o excesso de mortes em um dos grupos, era mandatório interromper o cegamento do ensaio clínico para verificar se os óbitos estariam associados à toxicidade do medicamento ou se o grupo controle estaria em desvantagem por suposta eficácia da proxalutamida. A interrupção do cegamento jamais ocorreu durante a pesquisa e, se de fato a proxalutamida foi eficaz (como alegado pelo pesquisador), o fato é que se assistiu pessoas morrerem PASSIVAMENTE no grupo controle sem que se adotasse qualquer medida que pudesse beneficiá-las com o medicamento experimental. Cabe ressaltar que o questionamento da Conep não tem relação com os resultados de eficácia notados na pesquisa, mas a conduta ética do pesquisador e do Comitê Independente de Monitoramento de Dados que, em momento algum, interromperam o cegamento para verificar o motivo de excesso de mortes em um dos grupos.
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A despeito das solicitações de elucidação da Conep, o pesquisador nunca demonstrou a rastreabilidade dos medicamentos fornecidos na pesquisa (cadeia de distribuição e dispensação), sendo impossível certificar qual produto o grupo controle realmente recebeu. Assim, não se descarta a hipótese que o grupo controle tenha recebido inadvertidamente fármaco diferente de placebo com potencial tóxico e que explicaria a elevada frequência de falência renal e hepática neste grupo.
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As mortes que ocorreram no estudo só foram notificadas à Conep quando a comissão solicitou relatório sobre o andamento da pesquisa. De acordo com o pesquisador, a notificação das mortes seria obrigatória apenas se houvesse suspeita de estarem relacionadas com o medicamento experimental. Trata-se de interpretação equivocada e deturpada das orientações da Conep acerca das notificações de eventos adversos. Se o estudo era cego (ou seja, se o pesquisador não sabia em que grupo o participante de pesquisa havia sido alocado), toda morte deveria ser considerada como evento adverso sério candidato à notificação à Conep. A obrigatoriedade de notificação de mortes em um ensaio clínico randomizado com cegamento é fato notório seguido por toda a comunidade científica internacional. No caso, os princípios mais elementares das Boas Práticas Clínicas não foram seguidos, demonstrando desconhecimento das diretrizes de condução de ensaios clínicos internacionalmente adotadas.
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De acordo com o pesquisador, o protocolo foi acompanhado por um Comitê Independente de Monitoramento de Dados. Contudo, os relatórios e recomendações encaminhados por este Comitê aos pesquisadores destoam dos padrões internacionais, além de serem assinados por um pesquisador do próprio patrocinador do estudo. Sendo independente, o Comitê de Monitoramento de Dados não pode ser liderado por alguém que represente o próprio patrocinador da pesquisa. Trata-se de indubitável conflito de interesse que coloca em xeque a idoneidade do Comitê e as orientações endereçadas por ele.
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O Conselho Nacional de Saúde teve acesso ao inquérito do Ministério Público do Amazonas, cuja verificação já se tornou pública. Chama a atenção o Termo de Consentimento anexado ao inquérito que foi aplicado aos participantes de pesquisa no Amazonas. Esse termo destoa profundamente do modelo originalmente aprovado pela Conep, havendo subtração de trechos que garantiam os direitos dos participantes de pesquisa, como indenização e assistência em caso de danos, ressarcimento de gastos, fornecimentos de métodos contraceptivos durante a pesquisa, entre outros. A supressão de tais trechos demonstra a intenção de não informar adequadamente os participantes de pesquisa sobre os seus direitos, além de omitir a necessidade da contracepção. A proxalutamida é um medicamento anti-androgênico, com efeito incerto na espermatogênese e no feto, sendo absolutamente contraindicado o uso durante a gravidez pela possibilidade de malformação. Não informar os participantes de pesquisa sobre esses riscos é fato inaceitável do ponto de vista ético, tendo os expondo a riscos desnecessários.
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Em virtude da gravidade dos fatos e da insuficiência de elucidação, a despeito de todas as oportunidades de resposta que foram dadas ao pesquisador, a Conep denunciou a situação à Procuradoria Geral da República, estando os detalhes da fundamentação divulgados pela mídia e disponíveis no por meio do link.
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O pesquisador tem usado o suposto vazamento de dados da pesquisa (imputado, sem comprovação, à Conep) para desviar a atenção de fatos que são inquestionáveis e que estão fartamente documentados na Plataforma Brasil e no inquérito que está em andamento do Ministério Público do Amazonas. Cabe informar que o Conselho Nacional de Saúde investiga o suposto vazamento e, identificando-se responsáveis, tomará as medidas cabíveis. Mas isso não deve ofuscar as transgressões éticas cometidas no protocolo de pesquisa, sendo mandatório que os fatos sejam apurados nas esferas competentes e tornados públicos. Em toda a história do Conselho Nacional de Saúde, nunca se testemunhou no país tamanho desrespeito às normas de ética e aos participantes de pesquisa. O Conselho Nacional de Saúde defende e sempre defenderá os participantes de pesquisa em seus direitos e a condução segura de estudos que respeitam as normas de ética em pesquisa no país.
Brasília, 15 de outubro de 2021
Conselho Nacional de Saúde
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