Em 30 de abril, após reunião do Conselho de Saúde Suplementar (Consu), o Ministério da Saúde lançou, na plataforma digital Participa + Brasil, do governo federal, uma consulta pública, sobre a denominada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19 (PNSS/Covid-19)”. A Consulta permite contribuições até o dia 18 de maio.
Elaborada com um ano de atraso e com diretrizes mal redigidas, que não utilizam os termos técnicos adequados nem à saúde coletiva, nem à saúde suplementar, a política inverte a lógica de prioridades para o enfrentamento à Covid-19. No lugar de medidas para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e reduzir mortes por Covid, a política reduz parâmetros de qualidade e integralidade dos serviços, em total afronta aos princípios e diretrizes do SUS, aos quais a Saude Suplementar é por definição constitucional COMPLEMENTAR, não principal.
A proposta desconsidera que a melhor resposta à pandemia que tivemos até agora não veio do setor privado e menos ainda dos planos de saúde. Na perspectiva assistencial, em 2020, frente à lotação de leitos no SUS, o setor se recusou a disponibilizar a rede privada para o enfrentamento à pandemia. Mesmo dispondo de mais da metade dos leitos hospitalares do país e atendendo apenas um quarto da população, representantes de hospitais privados e planos de saúde se opuseram publicamente contra a recomendação deste Conselho, no sentido de estabelecer uma fila única de leitos em 2020.
Isso num contexto em que, por determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os prazos de atendimentos de diversos procedimentos eletivos foram adiados e hospitais tiveram queda considerável na receita por ficarem vazios. Ainda não possuímos sequer estudos ou pesquisas suficientes para medir quantas vidas foram certamente impactadas por estas medidas nocivas aos usuários e usuárias, não só de planos privados de saúde.
As respostas insuficientes não pararam por aí. Enquanto o SUS, mesmo com as limitações de recursos, foi capaz de realizar testagem suficiente para acompanhar a tendência do contágio, os planos responderam por apenas 7% dos testes realizados no Brasil (atendendo ¼ da população). É importante apontar as consequências negativas dessa baixa testagem para o enfrentamento da Covid-19 no país. Embora a Agência Reguladora tenha feito inclusões extraordinárias dos testes RT-PCR e sorológicos no Rol de Procedimentos, a lista de cobertura obrigatória mínima dos planos de saúde, ela o fez restringindo consideravelmente as situações em que os testes seriam cobertos.
Sem teste de contactantes e diagnóstico, pessoas com suspeita de Covid-19 não puderam cumprir o isolamento e frequentaram o ambiente de trabalho, colocando outros em risco. Cerca de 60% desse mercado é composto por pessoas em vínculos formais de trabalho, dependendo de atestado e diagnóstico para serem afastadas. A baixa testagem permitiu, portanto, que pessoas com sorologia suspeita continuassem a circular. Isso sem considerar as empresas de planos de saúde, que colocaram em seus protocolos de tratamento medicamentos comprovadamente sem eficácia para tratar a Covid-19, fato gravíssimo que pode ter potencialmente contribuído para aumento das mortes evitáveis que vieram a ocorrer no seio de instituições privadas de Saúde.
Da perspectiva financeira, a agência adotou medidas que privilegiaram o lucro das operadoras de planos de saúde em detrimento de usuários e mesmo da sustentabilidade econômica do setor. Frente à redução das despesas médico-hospitalares, com economia considerável para os planos de saúde, ainda assim, a agência determinou a cobrança retroativa de reajustes de planos de saúde a partir de janeiro de 2021, o que significou, em alguns casos, aumentos de quase 50% nas mensalidades.
Portanto, desde o início da pandemia o setor privado, a ANS e Consu não têm conseguido coordenar nem oferecer respostas suficientes à crise sanitária. Não houve cessão de leitos disponíveis para atendimento de pacientes em fila única com o SUS. Não houve ampla testagem da Covid-19 para os usuários de planos de saúde. Menos ainda a adoção de medidas que diminuíssem o impacto da crise econômica para os usuários, frente a resultados financeiros extremamente positivos para as operadoras de planos de saúde. Sequer a proposta atual de PNSS/Covid-19 foi encaminhada para debate no âmbito do controle social, muito menos discutida e deliberada oficialmente perante a ANS em reunião.
A PNSS/Covid-19, nesse contexto, se utiliza da pandemia como justificativa para emplacar uma agenda de fortalecimento do mercado de saúde suplementar em detrimento do SUS. Além de um prazo irreal para uma discussão dessa envergadura, de apenas dez dias, estamos falando de uma proposta extremamente genérica e inócua, não só por chegar com mais de um ano de atraso e ignorar as principais demandas dos usuários de planos de saúde, sobretudo em relação a reajustes e atendimento, mas também por dar um cheque em branco para empresas que trabalham pelos próprios interesses desde o início da pandemia.
Sendo assim, o CNS se posiciona contrário à proposta de PNSS/Covid-19 e convoca todos os os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde a se posicionarem publicamente contra a mesma, elaborada pelo Ministério da Saúde, seja através de notas, seja também pela oferta de contribuição na Plataforma Participa Mais, do governo federal, rejeitando todas as medidas lá previstas para o enfrentamento da pandemia.
17 de maio de 2021
Conselho Nacional de Saúde
Foto: O Globo