Entre os principais problemas relatados, etnias destacam o racismo e a expulsão dos territórios tradicionais que também provocam doenças e mortes
A luta contra mudanças, sem diálogo, na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi) é um dos principais pontos da pauta das organizações indígenas presentes na 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), que ocorre de 4 a 7 de agosto, em Brasília. Para eles, o racismo, a expulsão dos territórios tradicionais e a ausência de políticas específicas também provocam doenças e mortes.
“Eu fico desesperada. A mortalidade infantil Xavante (MT) continua grave há anos. Nas aldeias Maxakali (MG) crianças são vítimas de surtos de diarreia. Há desnutrição crônica em todo o Brasil. Quando vão parir em hospitais, as mulheres sofrem violência obstétrica. A impressão que tenho é que em lugar nenhum há espaço para índios. A situação está nas aldeias, mas ninguém fica sabendo”, lamenta a enfermeira Adriana Fernandes Carajá, do povo Pataxó Hã Hã Hãe (BA).
Adriana cita o Relatório de Violência, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cuja edição mais recente (2018) registra 702 óbitos de crianças indígenas de zero e cinco anos, em 2017, no Brasil. Essa é uma estimativa da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que repassa dados ao Cimi com base no direito constitucional de acesso às informações públicas (Lei nº 12.527/2012), a partir dos atendimentos realizados pela pasta. As principais causas registradas pela Sesai são diarreia, gastroenterite, desnutrição, pneumonia e falta de socorro médico.
Adriana Fernandes Carajá recentemente terminou mestrado na área médica na Universidade Federal de Minas Gerais. Durante a 16ª Conferência, fez parte da comissão responsável pela pesquisa “Saúde e Democracia”, que trata do perfil dos participantes do encontro. Ela ressalta que os indígenas estão sendo expulsos de territórios tradicionais e acabam na periferia de cidades ou margens de estradas. “Assim, passam a recorrer a alimentos de brancos, a serem vítimas de novas doenças como diabetes e hipertensão”, cita.
A enfermeira relata ainda que muitas vezes os indígenas são rejeitados quando chegam à rede pública, com a desculpa de que devem procurar unidades da Sesai, responsável pelo Subsistema de Saúde Indígena, um braço do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela também considera que muitas vezes não há especialidade para acolhimento de pessoas com culturas diferentes.
“Temos mais de 300 etnias, e nenhum respeito a pajés, parteiras, rezadeiras. Sua presença não é permitida junto às parturientes, por exemplo. As questões culturais não são levadas em conta e isso também provoca doenças. Chegam a dizer que as indígenas podem sofrer dores, pois são índias, e a dor do parto é natural. Há racismo, sim, e elas sofrem muito mais violência obstétrica do que as mulheres brancas”, exclama.
Política Nacional
Entre as maiores preocupações das organizações indígenas, estão decisões de governo que modificam legislações em vigor. “Em todos os nossos espaços, nossas falas e lutas têm sido contra o desmonte da Pnaspi”, afirma Carmem Pankararu, assessora regional do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Pernambuco e presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Indígenas. Entre o conjunto de legislações que constituem a Pnaspi, ela cita a Lei Arouca, nº 9.836/1999, que criou o Subsistema de Saúde Indígena.
A Lei Arouca é considerada um marco regulatório incluído no capítulo quinto da Lei nº 8.080/1990. Esse marco legal definiu obrigatoriedades relacionadas às especificidades da cultura e o modelo a ser adotado para a proteção à saúde desses povos, não apenas referente ao atendimento primário, mas também a questões como demarcação de terras, saneamento, nutrição, meio ambiente e participação na construção de políticas públicas.
Carmem Pankararu acrescenta que há também preocupações em relação a falta de atenção aos profissionais que atuam na saúde indígena. “O Brasil tem 34 Dsei e 14 mil trabalhadores, entre eles 52% indígenas, em que se incluem agentes de saúde e de saneamento, que atuam desde 1999 e até hoje não foram reconhecidos como categoria profissional”. Essa é uma das principais demandas das organizações indígenas, pois esses são os profissionais que mantém o contato mais próximo com as aldeias, especialmente em lugares de difícil acesso.
6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena
A 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (CNSI) será realizada de 9 a 12 de dezembro, em Brasília. A data foi aprovada durante a reunião da Comissão Organizadora realizada no dia 25 de julho, na sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde. O local ainda não está definido.
“Temos data disponível com o Centro de Convenções Ulysses Guimarães, mas dificultaria a questão da montagem e desmontagem da estrutura. A princípio será lá, a não ser que consigamos levar para o Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade”, explicou a secretária de Saúde Indígena, Sílvia Waiãpi.
A 6ª CNSI é promovida pela Sesai, do Ministério da Saúde, em parceria com o Conselho Nacional de Saúde (CNS). Entre os seus objetivos, está a atualização da Pnaspi, para redefinir as diretrizes e efetivar as particularidades étnicas e culturais no modelo de atenção à saúde dos povos indígenas.
Ascom CNS