A nota técnica trata da continuidade dos serviços de assistência aos casos de violência sexual e aborto legal e de ações de planejamento sexual e reprodutivo
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado e deliberativo do controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), vem manifestar repúdio pela retirada da Nota Técnica nº 016/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS do site do Ministério da Saúde. A Nota Técnica nº 016/2020 trata da continuidade dos serviços de assistência aos casos de violência sexual e aborto legal e do fortalecimento das ações de planejamento sexual e reprodutivo, no contexto da pandemia da Covid-19.
A retirada da Nota Técnica do ar, bem como a exoneração dos técnicos que trabalharam na elaboração do referido documento, representam um grande retrocesso na Política Nacional de Saúde, em especial no que se refere à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Isso porque tanto a violência sexual e/ou doméstica é um dos principais indicadores da discriminação de gênero contra a mulher, quanto o aborto legal está previsto no código penal, pelo Decreto Lei nº 2848/1940, segundo o artigo 128. Ambas as situações se configuram graves problemas de Saúde pública.
A Saúde envolve diversos aspectos da vida dos indivíduos. No caso das mulheres, os problemas são agravados pela discriminação de gênero, pelas relações de trabalho, nas relações sociais e pelas violências domésticas. Todos esses acúmulos de violações geram, entre outros processos de adoecimento, o sofrimento psíquico, que é um dos mais graves.
Em virtude da gravidade dessas questões, uma das diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher é atingir as mulheres em todos os ciclos de vida, resguardadas as especificidades das diferentes faixas etárias e dos distintos grupos populacionais (mulheres negras, indígenas, residentes em áreas urbanas e rurais, residentes em locais de difícil acesso, em situação de risco, presidiárias, de orientação homossexual, com deficiência, dentre outras). Norteando-se, assim, pela perspectiva de gênero, de raça e de etnia se rompem as fronteiras da saúde sexual e da saúde reprodutiva, para alcançar todos os aspectos da saúde da mulher.
Esses e outros determinantes sociais da saúde foram agravados em razão da pandemia da Covid-19, que trouxe à tona a desigualdade social, aprofundando a pobreza, dificultando o acesso as políticas públicas, sobretudo, se levadas em consideração as questões de raça e etnia, território, em especial, para as mulheres negras. Não por outro motivo, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que, no total dos casos registrados, a Covid-19 já levou a óbito 76% de mulheres pardas/pretas hospitalizadas, enquanto para mulheres brancas o percentual foi de 28%.
Pela complexidade das questões que envolvem a saúde integral das mulheres, o Ministério da Saúde havia orientado, por meio das notas técnicas de nº 7 e 9/2020 COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, medidas a serem adotadas durante a pandemia da Covid-19 no que se refere aos serviços para gestante, parto e puerpério.
Nesse sentido, a Nota Técnica nº 016/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS é uma continuidade do cuidado com a saúde das mulheres durante a pandemia, já que, considerando a integralidade como um dos princípios do SUS e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da mulher, inseria orientações não previstas nas notas técnicas anteriores.
Por isso, o CNS fez recomendação aos gestores estaduais e municipais através da Recomendação nº 039 de 12/06/2020. Entre elas, que sejam garantidos os “serviços essenciais de Saúde para mulheres e meninas, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva, sobretudo acesso a contraceptivo e ao aborto seguro nas Unidades Básicas de Saúde e Centros de Referência em IST/AIDS”.
Por todo o exposto, o CNS, comprometido com o direito à Saúde e a vida de todas e todos os cidadãos, com o fortalecimento do SUS, com a defesa da Saúde pública e se posicionando contrário à restrição de direitos, solicita que a Nota Técnica 016/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, seja republicada no site do Ministério da Saúde com as mesmas orientações no que diz respeito à continuidade dos serviços de assistência aos casos de violência sexual e aborto legal, e o fortalecimento das ações de planejamento sexual e reprodutivo, no contexto da pandemia da Covid-19.
Conselho Nacional de Saúde
Foto: Ana Branco/07-03-2016