Conferência Livre Nacional APS do Futuro, que debateu os rumos da Atenção Primária no Sistema Único de Saúde (SUS), elegeu três delegados que participarão da 17ª Conferência Nacional de Saúde em julho, para levar as pautas e propostas discutidas e votadas durante o encontro. A conferência foi realizada em Luziânia (GO), com a participação presencial e online de movimentos sociais, conselhos e gestões municipais, estaduais e federal.
Entre 22 candidatos, os eleitos foram:
- Jessyka Mary Vasconcelos (180 votos) – assessora técnica da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde – Brasília (DF);
- Lucas Moraes de Oliveira (176 votos) – representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) e graduando em farmácia – São Luís (MA);
- Wellington Carlos Alves (109 votos) – membro da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro) – Juiz de Fora (MG).
Também foram definidos dois suplentes: João Marcelo da Silva, de Recife (PE), representante da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); e Aline Gonçalves Pereira, de Brasília (DF), técnica do Departamento de Saúde da Família e Comunidade do Ministério da Saúde. A votação foi feita por meio de formulário online.
O secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Nésio Fernandes, parabenizou os delegados eleitos e afirmou: “a gente conseguiu alcançar os objetivos esperados. Com certeza os trabalhos conduzidos aqui vão contribuir, e muito, para a conferência nacional”.
Propostas e diretrizes
Além da eleição dos delegados, também foram eleitas quatro diretrizes (entre 10 definidas na conferência livre) e 20 propostas (entre as 50 elencadas ao longo das discussões), que serão levadas para a 17ª CNS. A diretriz mais votada foi ‘Por um Brasil vacinado: a retomada do protagonismo da APS para as altas coberturas vacinais’, com foco no combate à desinformação e ao negacionismo, equidade, educação em saúde, formação, territorialização e financiamento, entre outros.
Em seguida, a diretriz eleita foi ‘Financiamento como indução ao acesso universal na APS’, que propõe a revogação do Previne Brasil com um modelo sustentável de componentes fixos e variáveis, avaliação de desempenho e que contemple as desigualdades regionais.
Em terceiro lugar foi eleita a diretriz ‘Insegurança alimentar e nutricional: desafios para o acesso na APS e ações intersetoriais’, que pretende contribuir para a erradicação da fome, a garantia de alimentação adequada e saudável e a soberania alimentar, com priorização de populações vulnerabilizadas e participação social.
A última diretriz mais votada foi ‘Promoção da equidade: a APS na atenção às populações invisibilizadas’, que incluiu o (re)conhecimento de saberes e práticas étnicas e culturais e o enfrentamento das desigualdades socioeconômicas e das relações discriminatórias e excludentes.
Confira as 20 propostas eleitas na íntegra:
- Garantir uma APS robusta, alinhada às necessidades de saúde do território, com cobertura da Estratégia de Saúde da Família adequada, ampliando acesso às vacinas, seja por meio da adequação do horário de funcionamento, busca ativa vacinal, ações extramuros, oportunização vacinal, monitoramento e avaliação, bem como o acompanhamento da situação de saúde do território;
- Garantir que todas as unidades básicas de saúde tenham conectividade, salas de vacina com estrutura física, insumos e equipamentos adequados, possibilitando armazenamento, boas práticas de imunização, contribuindo para o acesso às vacinas e a segurança do usuário na APS;
- Promover educação permanente dos profissionais da APS acerca da imunização, em especial ao agente comunitário de saúde, como profissional mais próximo do território;
- Desenvolver estratégias de atenção nutricional para as populações vulnerabilizadas acompanhadas pelas equipes de Consultório na Rua, equipes de Atenção Primária Prisional, equipes de Saúde da Família Ribeirinha e equipes de Saúde da Família Fluviais;
- Implantar triagem de risco de insegurança alimentar (Tria) no prontuário eletrônico do e-SUS e construir estratégia nacional de integração entre SUS, Sistema Único de Assistência Social (Suas) e Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) como contribuição do setor saúde para a erradicação da fome;
- Fortalecer a atenção primária à saúde, por meio da ampliação do número de equipes de Saúde da Família e da cobertura de agentes comunitários de saúde, garantindo um mínimo de 5 agentes por equipe, regulamentando na Pnab o item que trata da faixa populacional adstrita a uma eSF, o número de ACS por equipe e o número de famílias por ACS, estabelecendo o número de famílias a partir de critérios socioeconômicos, demográficos, epidemiológicos, vulnerabilidades, riscos, densidade populacional e relevo do território, atualizando anualmente esses parâmetros;
- Ampliar a resolutividade da APS ofertada a populações vulnerabilizadas e residentes em áreas de difícil acesso, por meio da ampliação de ações e serviços e da inclusão e aprimoramento das tecnologias de informação e comunicação em saúde (Tics);
- Ampliar o gasto público em saúde em pelo menos 2 pontos percentuais do PIB, incrementando o percentual de financiamento do Ministério para a APS e pactuar percentual mínimo de aplicação dos estados para a APS;
- Garantir gestão e carreira pública aos trabalhadores da APS com contratação direta com incentivo financeiro aos municípios para a contratação por concurso público e processo seletivo público (para ACS), garantindo remuneração adequada aos trabalhadores de saúde de modo a possibilitar e garantir os direitos trabalhistas;
- Financiar de modo permanente a estruturação dos serviços da APS, de modo a garantir a transição digital, a transição energética com projetos sustentáveis ao meio ambiente, definindo a garantia de condições de trabalho adequadas aos profissionais, instalações confortáveis e apropriadas para os usuários, qualificando a ambiência, a humanização do cuidado e a adaptabilidade aos diferentes contextos das regiões brasileiras;
- Redefinir o financiamento da APS voltado para o modelo de atenção que contemple a redução da morbimortalidade por condições crônicas não transmissíveis com o olhar para a equidade e determinantes sociais da saúde;
- Revogar o Previne Brasil e retomar o PAB fixo como mecanismo regular de transferência de recursos para o financiamento da APS de forma objetiva e concreta, trazendo critérios de equidade para o sistema com correções regionais a partir da vulnerabilidade de cada localidade com PAB variável por tipologia de equipe e desempenho a partir de indicadores de qualidade;
- Investir em estudos científicos voltados para a população negra, promover o letramento racial e qualificar os profissionais de saúde para o preenchimento adequado do quesito raça/cor, com base nas classificações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para análises de indicadores de saúde da APS, por meio de estratégias de educação continuada e permanente, visando sensibilizar os trabalhadores do SUS sobre as consequências negativas do racismo, principalmente na saúde mental e na saúde da mulher negra, como determinante às condições de vida e saúde da população negra, quilombola e povos tradicionais de matriz africana;
- Garantir o financiamento tripartite e criar incentivos financeiros para a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) com monitoramento de indicadores específicos, avaliação de metas e prazos estabelecidos pelos Comitês Técnicos de Saúde da População Negra;
- Criar equipes de Saúde da Família específicas para atendimento nos territórios remanescentes quilombola e dos povos tradicionais de matriz africana na APS, dando visibilidade à demografia e aos saberes tradicionais dessas populações, a fim de promover acesso de qualidade à APS para esse segmento;
- Universalizar e implementar a Política de Atenção Primária à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp) no que diz respeito à dignidade humana e combate ao racismo, considerando que a população negra é maioria no encarceramento brasileiro;
- Ampliar investimentos na política de educação permanente dos trabalhadores da APS e na formação e educação interprofissional nos currículos de ensino técnico, graduação e pós-graduação em todas as áreas da saúde, fortalecendo a residência multiprofissional como estratégia para qualificação do trabalho na APS;
- Ampliar mecanismos de valorização das carreiras e condições de trabalho das equipes da APS, por meio da oferta de infraestrutura, insumos e equipamentos necessários para a execução de suas ações;
- Identificar, implementar e ampliar o escopo das ações das equipes de APS, incluindo práticas que atendam às necessidades de saúde do território, com foco na resolubilidade dos serviços, refletindo em indicadores de desempenho que fortaleçam o modelo de atenção centrado na APS e na pessoa.
Mais votados
A delegada eleita com mais votos, Jessyka Mary Vasconcelos, contou que as expectativas para a 17ª CNS são grandes, depois de tanto tempo sem debates dessa magnitude. “O que a gente quer, de fato, é que a população brasileira tenha esse acesso universal garantido, e vamos para essa conferência para construir e continuar fortalecendo esse SUS que é nosso”, defendeu.
Lucas Moraes de Oliveira, o segundo colocado, também ficou animado, especialmente pela oportunidade de representar o estado do Maranhão e os estudantes. “Queremos levar com muita maestria o debate que a juventude tem feito sobre a saúde e a construção de um Brasil e um SUS com a cara do povo brasileiro”, disse.
A Conferência Livre Nacional APS do Futuro foi promovida pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde e contou com representantes de diversas organizações. Entre elas, sindicatos de saúde, universidades, prefeituras, hospitais, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), a União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (UNALGBT) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), além de gestores municipais, estaduais e federais de saúde e trabalhadores da Atenção Primária do SUS.